sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Antônio Gramsci e Rodolfo Mondolfo

Acaba de ser lançada a Revista ENFRENTAMENTO.

Artigos interessantes sobre zapatistas, texto esclarecedor de Nildo Viana sobre Rodolfo Mondolfo e Gramsci, Fromm, entre outros. Clique na imagem abaixo para ter acesso:

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Gramsci e o Pseudomarxismo

Gramsci e o Pseudomarxismo
por marcos lopes

É comum no interior do pseudomarxismo a idolatria por determinados autores e "líderes": Lênin, Mao, Stálin, Guevara, Trotsky, entre outros. Gramsci é outro que recebe o título de ídolo dos pseudomarxistas. Trocam-se os líderes e a idolatria, mas sempre se mantém os líderes e a idolatria. O reconhecimento da contribuição e da obra de determinados pensadores ou militantes vira coisa religiosa, na qual a verdade e o compromisso com a transformação social são secundarizados. O proletariado real de nada vale, o que vale é o proletariado encarnado nas obras destes autores, a vanguarda de Lênin ou o partido-príncipe de Gramsci. Nas suas formas mais exageradas ficam excessivamente visíveis e até alguns pseudomarxistas perceberam e abordaram o "culto da personalide" (Stálin).

Porém, o marxismo autêntico tem que ir contra essas idolatrias e líderes. Criticar, desmistificar, mostrar sua real face. Alguns marxistas autênticos, ou pelo menos próximos, possuem dificuldade em fazer isso, devido ao culto da autoridade inculcado pela sociedade capitalista desde que nascemos e também pela força da tradição. Até alguns que se dizem "libertários" temem e barram quando se encontram diante do busto de Lênin ou de Gramsci, dois ídolos de barro do pseudomarxismo.

Felizmente, nem todos são assim. Historicamente, alguns pensadores como Pannekoek, Korsch, Mattick, Smith e outros criticaram tais ídolos, como Lênin, Trotski, e vários outros. Hoje, contemporaneamente, Nildo Viana vem desempenhando esse papel de crítico revolucionário do pseudomarxismo. Assim, em um texto da década de 1990, já falava da Crise do Pseudomarxismo, do fracasso e do caráter do pseudomarxismo. As suas críticas ao pseudomarxismo de Mao Tse-Tung, Lênin, Engels, entre outros, já é por demais conhecida. 

Porém, além disso, agora passou a pesquisar e desmistificar Gramsci, idolatrada e pouco e mal lido, mas a força da tradição faz muitos ficarem reticentes com as críticas que Viana lhe endereça. Sim, força da tradição, aliada a medo e certa covardia, que não combinam com o espírito revolucionário. Não existem revolucionários covardes, como já dizia Karl Jensen, o que pode existir são covardes que se dizem revolucionários sem o sê-lo autenticamente ou suficientemente. Essa reticência vem, obviamente, dos resquícios existentes de idolatria, força da tradição, sem dúvida. Mas manifesta também insegurança. Hoje em dia, criticar Lênin no interior da esquerda não é tão incomum, embora, em 1989, por exemplo, quando um jovem estudante de ciências sociais o fez num jornalzinho, devia ser. O título era sugestivo: "Vida e Morte do Leninismo". Era 1989, ano da queda do Muro de Berlim, mas seus efeitos na pseudoesquerda e na formação de uma nova esquerda ainda demorará. Mas tal jovem era corajoso e continua a sê-lo, não foi apenas ímpeto de juventude e sim posição revolucionária e radical, que só os grandes revolucionários têm coragem de fazê-lo seja qual for a situação. "Os gênios são considerados loucos", já se disse e nenhum revolução teórica pode ser realizada dentro da repetição e da conservação do que existe, o que é impossível e contradição, revolução é transformação, superação, crítica. E fazer isso é ir contra as ideologias e ideias dominantes e por isso são chamados de "loucos". 

Certamente, muitos viram com reticência tal crítica, assim como hoje olham com reticências a crítica a Gramsci. Já que não existe uma tradição de crítica a Gramsci - como existe a Lênin, embora Viana afirma que exista e seja pouco conhecida e numericamente pequena - mostram apenas os seus horizontes limitados. "A coragem é revolucionária, o medo é conservador", já dizia Erich Carlton. 

A crítica ao pseudomarxismo de Gramsci é forte e poderosa, apesar de breve e introdutória. Mas mostra os vínculos de Gramsci com uma concepção reformista e vanguardista, maquiavélica, para aquele leitor de Maquiavel. O autor mostra também a pobreza metodológica de Gramsci, explicada, em parte, por sua situação na prisão, o que mostra que Viana critica mas sem descontextualizar e ser injusto. Mas o alvo principal de Viana parecer ser os "gramscianos" (alguns acadêmicos, outros reformistas e ainda aqueles que "dançam conforme a música" e se Gramsci está em evidência na pseudoesquerda...), os criadores de ídolos de barro, que logo se desmancham quando alguém realiza a crítica. A mesma honestidade intelectual, digna de quem expressa a perspectiva do proletariado, pois o compromisso com a verdade é parte dessa perspectiva, se manifesta quando observa os pontos de convergência e divergência com Lênin. Enfim, é uma análise global do pensamento de Gramsci, que tem outros aspectos não revelados e que o serão em obra mais complexa, citada em uma de suas notas sobre Gramsci (um texto parece que ainda não publicado intitulado Introdução à Crítica da Ideologia Gramsciana). Pobres são aqueles que tentam refutar o autor, como se ele fosse não-leitor, leviano, ignorante do pensamento de Gramsci, pois quem conhece suas obras e pensamento sabe muito bem do seu rigor e capacidade de pesquisa, sem falar das outras qualidades do seu pensamento, tal como sua erudição, citada, por exemplo, no texto Nildo Viana, um marxista esperantista.

Em síntese, Gramsci está morto, teoricamente falando, e o assassino foi Nildo Viana. Porém, o serviço ainda não está completo e quando estiver, as viúvas vão espernear, chorar, xingar, ainda mais, e nós não poderemos consolá-las, só lamentar por elas e não por Gramsci, pois os ídolos devem ser destruídos.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Considerações extemporâneas sobre a nossa não-ida ao FSM

Considerações extemporâneas sobre a nossa não-ida ao FSM

Com o apoio dos meios espetaculares de informação e mistificação, do grande capital privado e do aparato estatal iniciou-se, com muitas luzes e aplausos, para após alguns dias concluir-se de modo pálido e sem charme, ainda que róseo, o Fórum Social Mundial (FSM),em Porto Alegre, Brasil, em Janeiro deste ano.
Ali, durante alguns dias, os candidatos a gerentes do sistema, ainda que candidatos a postos muito inferiores na atual hierarquia mundial do capital, reuniram-se para dar legitimidade contestatória às recomendações de "democratização", "participação", "diminuição da pobreza", "cooperativismo" e "desenvolvimento ecologicamente sustentável"; recomendações que, desde há alguns anos, o Banco Mundial vem fazendo aos governos nacionais e locais. Anunciado como contraponto propositivo ao Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente na cidade de Davos, na Suíça, o qual reúne diretamente em assembléia os senhores do mundo e seus mandatários mais próximos, o FSM foi pensado e realizado (e por isso obteve o apoio do sistema, desde a cobertura ampla e diária da rede Globo nos noticiários, no seu canal a cabo, e nas telenovelas ao aparato estatal colocado a seu serviço) para se constituir na via de integração do "movimento antiglobalização" aos mecanismos de negociação que o capital mundializado tem buscado criar. Em outras palavras, um instrumento de pacto social mundial; em conseqüência deste conteúdo, a sua forma e sua dinâmica fundaram-se, desde logo, na estrutura vertical e hierarquizada que compõe a sociedade atual.
Composto e determinado em sua dinâmica essencialmente por todas aquelas fatias da contestação consentida, reunidas em Porto Alegre para se apropriar programaticamente do que o capital mundial quer e precisa para a manutenção de um sistema que já não pode ser reformado, senão nas idéias e suas ilusões, o que só é possível na medida em que ele próprio se aproprie das contestações verdadeiras dos de baixo: eis o que foi, efetivamente, o FSM e também o que ele demonstrou-se ser em sua declaração final.
Mais de mil jornalistas, em sua maioria estrangeiros, funcionários das principais empresas e agências internacionais de informações; centenas e milhares de funcionários de ONGs, sociólogos, assistentes sociais e arrivistas de toda espécie; a classe média democrática e ressentida, com seus políticos, mandatários e carreiristas sem desânimo; sindicalistas, estudantes com aspirações intelectuais e progressistas, professores, artistas e escritores que, antes de sustentarem a contestação social, sustentam-se dela – eis, enfim, de que se compôs essencialmente o público do FSM. Ao lado desses, e em muitos aspectos, em oposição a eles, toda uma multidão minoritária e subordinada de movimentos e ativistas, cujas diferenças entre si e deles com o próprio Fórum, serão reconhecidas e analisadas posteriormente.
 O FSM reproduziu a lógica do mercado e do Estado
O Fórum Social Mundial, reconhecido nessas características, não expressou só uma "conspiração" do Estado, do capital e seus reformistas tentando se apropriar do movimento antiglobalização. Essa é, desde sempre, a astúcia própria do sistema que busca integrar a si toda forma de contestação, tal qual a mercadoria faz com tudo o que pode ter uso, real ou ilusório:integra o outro, destruindo-o enquanto outro, submetendo-o à sua loucura identitária, onde toda potencialidade do conflito deve ser dissolvida. Assim, antes de tudo, o FSM foi uma armadilha integradora, uma tentativa de conduzir todo o antagonismo para o interior mesmo da lógica mercantil e institucional. Os funcionários do capital – nos governos, nos partidos e ONGs – apenas realizam essa lógica que, afinal, não lhes é "imposta", posto que ela é, desde sempre, aquela sob a qual se movem pois toda outra língua lhes é estrangeira.
Daí que toda a sua perspectiva "propositiva" nada mais seja do que a ideologia própria dos portadores de mercadorias, pequenos e grandes, que no mercado, têm a ilusão de negociar livremente, tanto quanto nas eleições parlamentares e para os governos, onde têm a ilusão de decidir livremente; que têm a ilusão de determinar, com suas falas e propostas de acordos – adequadas desde o início às "tendências do mercado" – os resultados da negociação. Não é necessário dizer, mas sejamos redundantes, esse é o falso diálogo, a fala de personagens cujo texto não foi escrito por ninguém, mas determinado pelo movimento realista e autonomizado das coisas. É o mesmo movimento realista que move o capital, onde o lucro quer produzir mais lucro e os homens servem às coisas e não as coisas aos homens.
 No movimento “antiglobalização” nem tod@s são anticapitalistas
 Que o FSM se realize como tentativa de apresentar-se como síntese das lutas "antiglobalização", é só a realização daquilo mesmo que caracteriza toda a esquerda institucional e sua tentativa permanente de tornar-se porta-voz das reivindicações, para incluí-las - uma vez mais e sempre - na lógica da "diversidade consentida" do mercado e do jogo eleitoral. Um outro mundo é possível diz o FSM. A tentativa de traduzir o realmente diverso no mundo falsamente plural do mercado e do Estado apresenta-se, ainda uma vez, como tentativa de colorir de tons diversos o cinza do mundo único do capital e do Estado. A tentativa integradora não é puramente exterior ao "movimento antiglobalização", uma vez que inúmeros setores da esquerda oficial efetivamente têm sido parte de tal movimento, que caracteriza-se, antes de mais nada, por uma grande heterogeneidade. Com efeito, Bové, Le Monde Diplomatique, ATTAC e Cia. Ltda. são parte de tal movimento e ainda que - no caso particular do Brasil - a esquerda do capital jamais tenha mexido uma palha nas mobilizações e dias de ação Global, ela é, no entanto, em nível mundial, uma das suas componentes, efetivamente presente em seu interior. Em determinados lugares (na França, por exemplo, mas não apenas lá) ela é a própria tônica de uma contestação que - nesses casos – já nasce morta, pois integrada e comprometida até a alma com o sistema.
Na heterogeneidade dos "movimentos antiglobalização", encontramos, como uma das expressões do anúncio de Seattle - anúncio de uma resistência mundial, tão mundial quanto a economia deles - a AGP, que em dias de protestos horizontais e internacionalistas, apresenta-se como coordenação de lutas convergentes contra o capital transnacional e suas instituições. Tais dias de Ação Global encheram-nos a imaginação e impulsionaram-nos as mentes e as mãos; protestos que, sem dúvida, anunciam a necessária e central luta em nível mundial contra o capital transnacionalizado e suas instituições.
Os perigos de um ativismo especializado e separado
Entretanto, mesmo entre esses setores anticapitalistas do "movimento antiglobalização" - ligados ou não às iniciativas da AGP - e a partir dos próprios impulsos de Seattle, uma série de ilusões começou a tomar corpo. Trata-se, neste caso, da tendência à construção de um movimento especializado e separado. A perseverança unilateral dos "dias de luta contra o capitalismo", como se jornadas pudessem derrotá-lo, termina por constituir a tendência de um movimento separado – e, com ele, uma consciência separada e, portanto, ilusória – do antagonismo cotidiano contra todas as faces da barbárie capitalista; e isso, precisamente, após a boa promessa, anunciada em Seattle, da convergência das críticas práticas que, sob os diversos aspectos da vida cotidiana, se insurgem contra a sociedade mercantil. Tal convergência pode se instituir, por seu desenvolvimento, como crítica de totalidade da vida cotidiana submetida ao sistema único das alienações do capitalismo contemporâneo.
No entanto, transformando o calendário deles em calendário de nossos protestos, terminou-se por constituir, em determinados setores, uma cultura de apartação entre as mobilizações mundiais e o antagonismo cotidiano e, em conseqüência, uma militância também apartada, separada e iludida; uma militância especializada que, na autocontemplação estetizada da imagem de seus feitos, contenta-se em substituir a crítica prática de milhões desde as fábricas e bairros pelo enfrentamento desenraizado. Age-se aqui como o pequeno mercador que reconhece que o diálogo não define os rumos da negociação, e o substitui pelos gritos; com isso, ele quer alterar os rumos da negociação, mas não a sua existência mesma. Ou como o pequeno quadro da esquerda oficial, que, ao “descobrir” que no parlamento nem tudo é negociável, radicaliza no discurso mas não altera em nada a crença no próprio parlamento. Em outras palavras, o ativismo separado, ainda que o mais radicalizado, tem tantas ilusões quanto são ilusórias as crenças dos pequenos comerciantes e as do parlamentar “radical”. Tal indignação, puramente aparente, é na verdade a confissão da própria impotência. Enquanto resistir  entre nós a tendência do ativismo separado e substitucionista, seremos sempre presas fáceis da recaptura, da re-subordinação, da recuperação.
 O diálogo prático é o caminho para a convergência das autonomias
 Pensamos que da convergência das múltiplas práticas à crítica de totalidade (que deve ser diversa na forma e nas motivações, mas "unitária" no combate ao identitarismo totalitário do mercado e à opressão tirânica do Estado), é forçoso que construamos um tempo e um espaço próprios; um tempo que não é aquele dos projetos, aprovações e financiamentos estatais ou privados, tão rapidamente encaminhados, como aquele que se deu no Fórum Social Mundial, nem o espaço analítico das instituições organizadoras da falsa sociabilidade, do falso diálogo. A crítica de totalidade há de ter um tempo próprio, o vagaroso e enriquecedor tempo da conversação, cujo critério é o da argumentação legítima, posto que fundado no diálogo real, o diálogo entre os diversos setores sociais que realizam a crítica prática cotidiana do capitalismo.
Há de ter um espaço autônomo, não cedido ou mitigado, mas conquistado como o espaço mesmo da insurgência, da rebeldia e parte da resistência à organização estato-mercantil das vidas e dos lugares vividos.Enfim, um tempo-espaço que resista a ser re-subordinado na medida em que absoluta e intransigentemente fundado na autonomia mesma da experiência antagonista. Que seja, assim, a expressão da constituição do diálogo real, não só o diálogo da experiência, mas o dizer comum dessa experiência, a co-produção do comum; em outras palavras, ser conscientemente coerentes com o que temos feito. E nisso, precisamente, mais do que simplesmente convergir eventualmente, tecer a totalidade da negação ao mundo alienado da mercadoria, do dinheiro, do capital, da hierarquia sócio-estatal e de suas ilusões. Tecer, com a força das palavras ditas em atos e tornadas conscientes de si, uma trama outra, a da insurgência tornada, assim, incapturável, pois dita e feita.
 O FSM foi uma armadilha de captura e despotencialização do antagonismo
 Mas precisamente porque apenas começamos a dialogar e a percorrer esse tempo-espaço co-produzido, e face às ilusões que no nosso próprio interior passou-se a alimentar num movimento separado (e, portanto, novamente especializado), o chamado decretado pelo Estado e o capital, para o Fórum Social Mundial, teve tanta repercussão junto a movimentos de base e ativistas – e não apenas junto àqueles cujo antagonismo ilusório (pois separado e especializado) é, por natureza, vocacionado à  recuperação, mas, infelizmente, também alguns daqueles que, de fato, buscam, desde o seu cotidiano, superar as determinações do sistema. É neste último caso onde encontra-se, seguramente, a principal contradição presente no Fórum: a contradição entre o conteúdo da ação de diversos movimentos e ativistas, potencializadora da crítica de totalidade e a consciência ainda parcial, acerca de sua própria prática antagonista. Tal parcialidade lhes permitiu mover-se a um espaço o qual, precisamente, implicava – ainda que momentaneamente - a "neutralização" do antagonismo, a sua despontecialização.
Muit@s companheir@s honestos e combativos, com os quais compartilhamos, inclusive corporalmente, o combate nas ruas, foram ao FSM, com o intuito de "demarcar", "denunciar”. Ao lado deles, com a mesma intenção, outros de outro feitio – os eternos candidatos a "dirigentes" da humanidade, os neoleninistas e neobolcheviques de várias marcas. Num caso e noutro, somos forçados a dizer, não apenas a intenção formal, mas o ato real da ida ao FSM resultou estéril e espetacular.
Quanto aos primeiros, no entanto, mais que isso: a ida ao Fórum Social Mundial, no momento em que se davam, na Suíça, ainda uma vez mais, como em Seattle, Washington, Praga, os combates ao topo da hierarquia capitalista diretamente reunida em assembléia mundial, implicou uma despontecialização, de fato, da nossa capacidade antagonista. Em janeiro, o que o mundo inteiro leu e viu nos mass media foi a contraposição falsa e o diálogo falso entre Davos e Porto Alegre, ao passo que a afirmação real de antagonismo em ato pel@s companheir@s na Suíça era "tornada" apenas a "face mais radical" dos que em Porto Alegre buscavam soluções mais "humanas" e "justas" para a globalização. Ora, se há algo que pode ser dito sobre a presença de inúmeros setores antagonistas no FSM, é exatamente que tal presença, constituindo a fundamental contradição deste Fórum, implicou ali a neutralização da sua ação, estabeleceu uma esquizofrenia que é própria do mundo da mercadoria e suas separações; opôs, pela presença no Fórum, o conteúdo da sua ação à ausência de uma radical recusa à subordinação a qualquer espaço-tempo neutralizador de sua ação antagonista.
 Diálogo entre nós! Guerra aos dirigentes!
Não se trata para nós, como o é para o neotrotskismo "radical" e todas as frações neobolcheviques, de propor às lutas concretas do proletariado – que eles consideram, metafisicamente, já em si revolucionárias – um programa "revolucionário" estatista e nacional-desenvolvimentista (não-pagamento da dívida externa, fora FMI, defesa das estatais etc.), apenas na forma internacionalista. Trata-se, isto sim, de ressaltar que fora do reconhecimento pelo próprio proletariado do conteúdo antagonístico de suas lutas, elas não são em si mesmas revolucionárias. E esse reconhecimento não é, insistimos, uma revelação exterior, "científica", trazida desde fora por vanguardas, especialistas ou dirigentes, mas, necessariamente, construído pelo e no diálogo prático entre os sujeitos reais das lutas proletárias; esse diálogo de quem faz e – ao fazer – diz a si mesmo o que faz. Este diálogo consciente que pode, enfim, e só ele, potencializar o diálogo prático, já agora em ato e que começa a ser comum. En la Tierra, como en la Tierra...
Quando @s noss@s companheir@s resolvem, de modo estéril e espetacular (repitamos), assinar uma nota com os candidatos a "dirigentes revolucionários", nota estatista e nacional-desenvolvimentista (Declaração dos jovens anticapitalistas contra o Fórum Social Mundial), fazem concessões aos irmãos siameses dos promotores do FSM; e isso porque, já antes, ao irem ao Fórum, o haviam feito aos próprios promotores dele. Que tal nota expresse, pelo seu título, o mesmo método da esquerda oficial, que não se questione um segundo sequer sobre a pretensão de reunir num falso mundo a diversidade que realmente somos, apenas acrescentando um "destruindo o capitalismo" puramente estético, é só a demonstração do que dissemos. Que o mundo que queremos ver substituindo a este é um mundo anticapitalista, não há dúvida; mas precisamos ser conseqüentes com isso, reconhecendo que a ruptura com o mundo único do mercado e do Estado é, forçosamente, a construção de um mundo onde caibam muitos mundos, e por isso, co-produzido - no diálogo prático - a partir da diversidade que somos e que, contra esse mundo unificado, insistimos em ser. Tal reconhecimento passa a anos-luz da nota em questão, vanguardista e cheia de pretensas verdades e verdadeiras mentiras como é toda a "esquerda oficial" em suas ideologias... O lugar da experiência e da troca é algo que não existe – e nem poderia existir – ali.
Tornar o Fórum um lugar no qual pode-se ilusoriamente fazer a crítica dele mesmo é torná-lo falsamente o lugar do diverso, do diálogo, de encontro e socialização das experiências de crítica prática; para isso serviram, como, aliás, os promotores do FSM já haviam previsto e  querido, as oficinas alternativas, o acampamento da juventude,  as declarações críticas. Ora, o FSM foi – e isso estava desde o princípio claramente previsto – o espaço da falsa diferença, da falsa multiplicidade que em verdade só reproduz o simulacro da diferença que, no mercado, encontramos entre as várias (logo)marcas ou entre os diversos partidos nos parlamentos e em todas as instituições do sistema; quando a diferença real não se nega de modo extremo e inequívoco a ser capturada e falseada, torna-se uma falsa diferença. Permitir que a luta autônoma fosse recapturada e tornada dócil e tragável pela presença no FSM é parte do equívoco brutal de enxergar em tal espaço um espaço autêntico de diálogo, um espaço no qual a multiplicidade que somos pudesse ter lugar.
Que, em nossa opinião – a qual manifestamos, claro, como parte do diálogo efetivo com o qual estamos comprometidos –, o caminho é outro, disso não pode haver dúvida. Um caminho que, a rigor, não há que ser inventado mas que estamos já construindo. Basta olharmos para nós mesmos, para nossas ações e as ações que se desenvolvem à nossa volta, comprendermo-nos e compreendê-las, intensificando e generalizando o negativo que, ainda germinalmente, está em ação. Falemos o que fazemos! Façamos o que falamos!
Uma última palavra...
Para finalizar, uma observação se faz importante aqui. Nós, coletivos autônomos, que elaboramos e assinamos essa nota, não o fizemos senão como parte de um diálogo prático; não no sacrifício das diferenças, mas num esforço em que essas diferenças apareceram a partir de uma mesma preocupação prática, já em diversos aspectos comum, e de uma reflexão comum, que, no entanto, não busca a unanimidade. Assim, os pontos de vista que aqui expressamos conjuntamente têm, sem dúvida, tensionamentos com os pontos de vista mais particulares de cada qual dos coletivos, mas tais tensões se inscrevem no experimento do que, esencialmente, afirmamos aqui: o experimento do "consenso heterogêneo" como experiência que constitui a convergência das autonomias.
Belo Horizonte, Fortaleza, Santa Maria, entre janeiro e fevereiro de 2001,
 Coletivo Acrático Proposta

Coletivo contra-a-corrente

Comunidade Piracema
 

No início do mês de setembro, tivemos contato com um plebiscito organizado pela Igreja Católica e setores da “esquerda oficial” que questionava sobre o pagamento da dívida externa. O assunto nos instigou a reflexão e resolvemos assumir o debate. Será que o não pagamento dessa dívida melhoraria a vida das pessoas? Permitiria os investimentos necessários em educação, saúde, moradia e coisas do tipo? Ou – como propõe esses setores sociais – possibilitaria o “desenvolvimento nacional”?
Pensamos sobre essas questões a partir de uma outra ótica. É que para nós as ações para melhorar a vida não estão ligadas ao desenvolvimento da economia capitalista. Na verdade, a condição de miséria da maioria das pessoas do planeta é fruto desse desenvolvimento. E isso porque esse sistema não se desenvolve de outra maneira que não seja submetendo a maior parte das pessoas à exploração por uma minoria que usufrui sozinha os frutos gerados pela maioria. Como sabemos, não existe o rico se não forem os pobres para produzirem pra ele. Da mesma forma, o que seria dos países ricos se não fossem o roubo e a exploração efetuada por suas elites nas colônias de outrora e nos atuais países pobres? Por isso, falar em “desenvolvimento nacional” pressupõe ocultar os efeitos que a dominação por ele gerada tem sobre outros povos do mundo e ainda convencer aos trabalhadores que eles devem dar o próprio sangue, se preciso for, pelo “desenvolvimento da nacional”, como se essa “nação” os incluísse. 
Será que simplesmente não pagando a dívida externa estaremos (nós, os simples mortais) nos livrando dos agiotas que ameaçam nossas vidas por alguns trocados? Será que assim deixaremos (nós, os trabalhadores e explorados) de dever contas impagáveis aos grandes bancos e lojas comerciais? Será que assim nos livraremos da exploração, da humilhação e do tédio que caracterizam o trabalho assalariado? Será que pelo menos virá alterar em alguma coisa a dominação das grandes empresas monopolistas (como a IBM, a Fiat, a McDonald’s , entres algumas outras) que controlam a economia mundial e nos impedem de viver e de criar? Estaremos nos libertando da dominação do mercado, que em todo o mundo leva as pessoas a destruir aquilo que é produzido, já que o preço é mais importante que a vida humana? O fato é que a lógica que está por trás da dívida externa convive entre nós em nosso cotidiano, pois é a mesma lógica do mercado que nos submete à disputa do dinheiro, num momento em que a humanidade já produziu tecnologias e riquezas suficientes para dar uma vida muito melhor a todos nós, sem precisarmos da irracional “luta de todos contra todos” no mercado..
Neste sentido, ser coerente com o combate à dívida externa passa por construir relações opostas àquelas ditadas pelo mercado, onde sejamos capazes de nos entender e assim definirmos o que queremos da nossa própria existência coletiva. Essa construção de que falamos passa pela realização de uma outra cultura, onde não existam dirigentes e dirigidos, dominadores e dominados, mas pessoas solidárias com a vida. E não se trata de uma proposta para daqui a cem anos, pois a gestação prática dessa crítica já envolve milhares de pessoas no mundo, principalmente no centro do capitalismo, ainda que nem sempre de modo tão consciente e explícito. São movimentos de base anti-hierárquicos que, organizando-se em torno das reivindicações mais diversas, encontram no mercado mundial o objeto comum de crítica. Por isso, esses movimentos de base têm construído ações conjuntas contra o mercado, como aquelas que no ano passado impediram a realização da reunião da Organização Mundial do Comércio em Seattle e já este ano em Washington prejudicaram a reunião do FMI e Banco Mundial.
Neste mês de setembro, a cúpula da burguesia mundial estará reunida em Praga, enquanto milhares de pessoas no mundo todo estarão se manifestando contra o capitalismo. Aqui em Fortaleza já temos alguns grupos se organizando, de modo que convidamos você a ser também um sujeito dessa transformação. Sendo assim, converse com os seus amigos, vizinhos, companheiros de trabalho ou de estudo sobre diversas formas de se manifestar nesse dia. Não espere por soluções mágicas vindas do alto, pois é lá de cima que “eles” tramam contra ti.
Não pagar a dívida externa! Não pagar nenhuma dívida. Não pagar nada. Troquemos o jogo cego e irracional do mercado pelo livre e coletivo jogo sobre a vida. O problema não é só dívida, mas a origem de toda a dívida e toda a miséria: a sociedade da compra e da venda, a sociedade de mercado.
No dia 26 de setembro, proteste contra o capitalismo!
Fortaleza (CE), setembro de 2000
 Coletivo contra-a-corrente


Nenhum tostão, nenhuma gota de sangue para  máquina capitalista de guerra! Nenhum apoio  às tropas da  OTAN ou ao Estado Sérvio!
Pela unidade dos trabalhadores kosovares, sérvios, europeus e norte-americanos contra a guerra capitalista!
 Desde o dia 24 de março, a humanidade assiste horrorizada a mais uma guerra capitalista. As tropas da OTAN -- sob a argumentação da "ajuda humanitária" à etnia albanesa na região de Kosovo, na Sérvia, vítima da política fascista de "limpeza étnica" do regime de Slobodan Milesovic, e como forma de pressão para que o Estado Sérvio aceite um "tratado de paz" que teria como uma de suas condições a presença daquelas mesmas tropas naquela região -- bombardeiam incessantemente prédios "públicos", alvos militares, centros de refugiados, fábricas e regiões civis na Iuguslávia. Ao mesmo tempo, o Estado Sérvio, conseguindo unir a "consciência nacional em defesa da pátria", calou a oposição e, sob o espetáculo militar dos ataques da OTAN, reforçou sua própria presença militar em Kosovo, expulsando centenas de milhares de kosovares de etnia albanesa e, praticamente, liquidando a resistência militar do EKL (Exército de Libertação de Kosovo), cujas tropas bandearam-se para as fronteiras da Albânia e da Macedônia. O "saldo" humano deste cenário de horror não pode ser avaliado, mas os números -- que, por si só, nada dizem -- falam de cerca de 600 mortos (entre civis sérvios e kosovares), além de cerca de 700 mil refugiados da etnia albanesa de Kosovo.
 A natureza econômica da guerra
 A essência desta guerra, como de todas as guerras capitalistas, é econômica. Não precisaríamos estar afirmando isto, não fosse o hipócrita discurso com que os chefes de Estado e estrategistas militares da OTAN buscam "justificar" sua ação, em nome, mais uma vez, da "ajuda humanitária" aos kosovares. Não fosse o discurso patriótico e "antiimperalista" com que o próprio Estado Sérvio busca criar condições políticas para o seu próprio enfrentamento militar às tropas da OTAN e do seu genocídio em Kosovo. Não fosse, enfim, as "explicações" dos comentadores de todos os tipos -- desde colunistas internacionais a historiadores, sociólogos e antropólogos -- que buscam dar uma explicação "religiosa" ao conflito.
A causa desta guerra, no entanto, não é senão a crise do mercado mundial. Uma das fases dessa crise, em seguida à própria dèbacle dos países capitalistas periféricos no início dos anos 80, pôs à deriva -- já no final daquela mesma década -- as economias cujo processo de modernização tiveram como bases a estatização e a planificação, tais como os países do Leste Europeu e a URSS. A revolução cientifico-tecnológica e o aumento da centralização internacional do capital retiraram toda a competitividade -- que acirrara-se na crise de superprodução do mercado mundial -- daquelas economias que, apesar da concentração estatal dos meios de produção, baseavam-se ainda, essencialmente, na exploração extensiva da força de trabalho e da natureza e cuja produção de mercadorias pautava-se ainda, hegemonicamente, de bens manufaturados, matérias-primas naturais e produtos agrícolas.
É esta feição da crise mundial do mercado que explica a crise política dos "mercados socialistas"(sic) do Leste, a desintegração da URSS e da própria antiga Iugoslávia. Nestes países, cujo processo de modernização econômica foi baseado na estatização da economia, o profundamento da crise e o fracasso do processo modernizdor iriam incidir -- pelos seus reflexos ideológicos -- justamente na própria crise da unidade do Estado. Ao contrário do que dizem os comentadores burgueses, a crise econômica não foi uma conseqüência da desintegração da Iugoslávia e de quase uma década de guerras; ao contrário, a desintegração dio Estado e as guerras é que foram conseqüências da crise. É neste cenário de crise, de decomposição econômica e social, que nasce toda sorte de ideologias nacionalistas, de xenofobias, que buscam ilusoriamente deter a decomposição econômico-social através de projetos restauradores da "nação", da "etnia", do "sangue". É essa e não outra a real essência da ideologia da "Grande Sérvia" sustentada pelo (e que sustenta o) regime nacional-"socialista" de Milesovic na Sérvia, do independentismo das ex-repúblicas iugoslávas (Croácia, Macedônia, Eslovênia e Bósnia) e, também, da ideologia da "Grande Albânia" do EKL e do Estado albanês (ideologia esta, diga-se de passagem, alimentada desde os anos 70 pelo regime stalinista albanês, mas que só ganhou corpo precisamente com o desenvolvimento da crise).
Por mais que os estudiosos burgueses tentem explicar o atual conflito a partir de uma causa étnica, religiosa ou histórica, tal explicação não resiste aos fatos. O caso da ideologia nacionalista do Estado sérvio é típico. Em 87 (ano já de crise econômica e política), Milesovic referia-se à necessidade de que os sérvios "resgatassem" o território kosovar (onde 90% da população era de origem albanesa), sob o pretexto da importância histórica daquele território para o povo sérvio. Em 88, o Estado sérvio suprimiu a autonomia administrativa que, desde 74, o território de Kosovo usufruia. É coincidência que o discurso e a prática do Estado sérvio mudem em período de crise, abandonando posições tomadas em uma época de prosperidade econômica?
Também por parte dos países da OTAN, o que está na base de suas ações militares é a crise do mercado mundial. Os dados da própria imprensa burguesa dão o indício: cada míssil usado nos bombardeios na Iugoslávia custa US$ 1 milhão. Na verdade, as ações militares da OTAN custam cerca de US$ 40 milhões por dia, tendo chegado a um total de U$S 1 bilhão de gastos em menos de um mês. Animados com este volumoso escoamento de mercadorias, os congressistas norte-americanos já discutem a aprovação de novos projetos para aumentar o orçamento militar do país neste ano ainda, elevando em cerca de US$ 200 milhões um orçamento que já é de US$$ 270 bilhões e que, do ano passado para cá, já havia crescido em US$ 9 bilhões. Num mundo que gastou US$ 740 blhões em armamentos em 97, o Estado norte-americano é responsável por pelo menos 40% deste volume. Segundo a Folha de São Paulo, "Os projetos [em discussão no Congresso americano] reforçam os lucros de uma indústria que entrou em decadência no final da Guerra Fria e que tem renascido nesse último ano do governo de presidente Clinton". E acrescenta, ao final da matéria: "Com os conflitos na Bósnia, Iraque e com o reforço da presença militar dos EUA na Ásia, a indústria de armamentos nos EUA recuperou no último ano ao menos 20% do que perdeu na última década" (04.04.99). Ora, num mercado em que é cada vez mais difícil vender carros, sapatos e roupas, a possibilidade de realização de um volume tão grande de valores mercantis é mais do que justificável para qualquer guerra. E atrás de todo exército vão (mais) mercadorias...
Na verdade, a indústria militar sempre cumpriu um importante papel na economia capitalista, particularmente em seu período monopolista, quando a imensa concentração de capitais aumentou as tendências às crises de superprodução, à produção de capital excedente e à queda da taxa de lucros. Também nos períodos de prosperidade econômica, como o do segundo pós-guerra (45-73), a indústria militar cumpriu um importante papel no refreamento dessas tendências (e esse é um dos motivos fundamentais da chamada "Guerra Fria"). Na atual guerra nos Bálcãs, isso fica claro pelo simples fato de que, a cada quatro dias, os EUA gastam mais em armas e combustível (US$ 160 milhões), do que todo o orçamento anual da OTAN previsto para a ajuda aos refugiados kosovares albaneses, fato que, aliás, por si só já desmarcara o discurso hipócrita da "ajuda humanitária".
A esquerda e a guerra
Não pode, portanto, restar dúvida que esta é a guerra da economia do mercado em crise. Mas, curiosamente, é também a guerra da esquerda. Nos dois lados beligerantes, nós temos Estados dirigidos pela esquerda. Em Inglaterra, França, Alemanha e Itália, partidos socialdemocratas, trabalhistas, "socialistas", "comunistas", ex-"comunistas" e verdes dividem ministérios entre si. Nos EUA, é o Partido Democrata. E, mesmo na Iuguslávia, governa o Partido "Socialista", sucessor da ex-Liga dos Comunistas. Na Albânia, apoiadora dos bombardeios da OTAN, governa um gabinete dirigido por um partido também chamado socialista, herdeiro do ex-PTA (stalinista), cuja vitória eleitoral se deu sobre o massacre da rebelião de 97, massacre realizado com a ajuda das tropas da Itália (já na época governada pelos ex-"comunistas" do agora PDS). É também a guerra da "geração de 68" dos pacifistas dos 70: Clinton, Jospin, Schroeder... E o falante Cohn-Bendit, que ganhou destaque público com o Maio francês de 68, não perde também a chance de mais uma vez destacar-se, demonstrando-se agora um radical defensor da guerra, antecipando-se aos acontecimentos com a exigência de que as investidas da OTAN desdobrem-se logo em ações por terra. E mesmo Gunther Grass, escritor alemão que em outras ocasiões esmerara-se por demonstrar-se um intelectual crítico e atuante, não deixou também de fazer a defesa das ações de guerra. Isso, naturalmente, sem falar de toda uma gama de intelectuais "de esquerda", feministas e ecologistas que assessoram, apóiam, ajudam, defendem os novos governos de esquerda europeus.
Neste cenário, é sem dúvida ridícula a posição do PC Francês, que, compondo o ministério de Jospin, "exige" "negociações imediatas" para que se dê um fim aos bombardeios da OTAN na Iugoslávia e à limpeza étnica em Kosovo... E, apesar deste espírito "pacifista" e "humanitário", continua tranquilamente a compor um governo beligerante e assassino, ao mesmo tempo em que chama aos assassinos da OTAN e do Estado sérvio a pararem com o genocídio que, de mãos dadas, efetuam juntos sobre os trabalhadores sérvios e kosovares. Em Portugal (cuja presença na OTAN é puramente figurativa, tanto do ponto de vista militar quanto político), o "socialista" Mário Soares anuncia-se "solidário com as tropas portuguesas e dos outros países da OTAN", argumentando que, no entanto, "não haveria outro caminho". Ao mesmo tempo, o velho e conhecido PC Português, numa declaração de um dos seus dirigentes, expressa sua "mágoa e indignação pelo tristíssimo fato", limitando-se a dirigir um "apelo premente ao presidente da República para uma urgentíssima ponderação". "Negociações", pedem os stalinistas franceses; "ponderação", reforçam os stalinistas portugueses... para todos eles, a guerra capitalista pode ser impedida pela ação dos governos capitalistas. Seria ingenuidade, se a cretinice dessa gente já não estivesse comprovada por décadas de traição aos trabalhadores e conchavos com a burguesia!
Para completar o quadro, a chamada "extrema-esquerda", em suas feições trotskistas, maoístas, castristas e de tantos outros naipes, saem em defesa do Estado sérvio sob o argumento da "luta antiimperialista". Para eles, o "imperilaismo" deixa de ser a "fase monopolista do capitalismo" (Lênin), para ser uma política dos Estados mais fortes (como dizia Kautsky). Raciocinando ainda na lógica da "nação", do "Estado nacional" e da "economia nacional", esses grupos demonstram-se incapazes de fazer a crítica pela raiz do mercado mundial em crise. Por estarem presos ainda a uma ideologia estatista e nacionalista (a ideologia do "desenvolvimento nacional" autônomo, no qual o papel do Estado seria central), eles não vêem na atual guerra (assim como na Guerra do Golfo), nada mais do que o confronto entre "Estados imperialistas" e "nações oprimidas", o "forte" o "fraco", o "atacante" e o "atacado". Ao identificarem o "imperialismo" em apenas um dos lados beligerantes, abandonam toda a crítica da essência da guerra capitalista: o capital monopolista, a luta por mercado, a crise. Na escolha do "mal menor", eles assumem a defesa patriótica do Estado sérvio e, programaticamente, assumem postos nas trincheiras da guerra capitalista do mesmo modo que fazem os stalinistas e socialistas governamentais.
O que este simples fato demonstra é que a velha esquerda -- tanto a reformista, quanto a "revolucionária" -- compõe a velha lógica do mercado e do Estado.
 Nossa posição
 Para nós, os trabalhadores não devem compor nenhum dos lados da guerra. É perfeitamente compreensível que os trabalhadores norte-americanos e europeus, diante das imagens e das notícias do genocídios em Kosovo, queiram dar um fim nisso. É perfeitamente justa e legítima a revolta e a indignação dos trabalhadores sérvios diante dos bombardeios da OTAN, que estão transformando suas vidas em um inferno, tirando-lhes o "sossego", quando não a própria vida. Do mesmo modo, é justa e legítima a vontade do albaneses de Kosovo de determinarem livremente a sua vida, livre das imposições do Estado sérvio. Mas nenhum desses justos sentimentos poderão ser realizados através do apoio às tropas da OTAN e sérvias.
Ambos os lados beligerantes são expressões de interesses econômico-sociais opostos aos dos trabalhadores. As tropas da OTAN não bombardeiam por Kosovo; as armas sérvias não atiram em defesa dos trabalhadores sérvios. A morte e a destruição que horrorizam os nossos olhos só têm um significado: trata-se de sacrifícios no altar do capital. A única coisa que os trabalhadores e jovens têm a dizer é: fim da guerra! Nenhum tostão, nenhuma gota de sangue para a guerra capitalista! Mas o fim da guerra deve ser procurado não nos acordos ("negociações") entre os cavalheiros da morte, mas entre os que querem viver: os trabalhadores. Já está mais do que na hora de romper com o patriotismo e o nacionalismo, recuperando o antigo espírito de solidariedade internacional entre os trabalhadores, o internacionalismo proletário. Por isso, chamamos aos trabalhadores kosovares, sérvios, norte-americanos e europeus a não darem nenhum apoio às tropas sérvias e da OTAN, a lutarem contra a guerra capitalista mobilizando-se contra o Estado beligerante em seu próprio país.
 Fortaleza, 22 de maio de 1999
  coletivo contra- a-corrente  

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Por un Marxismo Libertario



Por un Marxismo Libertario

Daniel Guerin

“Los autoritarios no tienen confianza en la capacidad de las masas para llegar a la conciencia por sí mismas, y les tienen, aun cuando pretendan lo contrario, miedo, pánico. Según ellos todavía están embrutecidas por siglos de opresión: Tienen necesidad de ser guiadas y dirigidas: Una pequeña elite de jefes debe sustituirlas, enseñarles una estrategia revolucionaria y conducirlas a la victoria. Los libertarios sostienen, por el contrario, que la revolución debe ser obra de las masas mismas, de su espontaneidad, de su libre iniciativa, de sus facultades creadoras tan insospechadas como formidables. Ponen en guardia contra los jefes que, en nombre de una mayor conciencia, pretenden imponerse a las masas para expoliarles luego los frutos de su victoria.

Marx y Engels, por su parte, ponen el acento unas veces en la espontaneidad, otras en la conciencia. Pero su síntesis queda coja, incierta, contradictoria. Por otra parte, conviene precisar que los mismos libertarios no siempre escapan a este reproche. Yuxtaponiéndose a la exaltación optimista de la “capacidad política de las clases obreras”, encontramos en Proudhon pasajes pesimistas, en los que duda de dicha capacidad y se une a los autoritarios que sugieren que las masas deben ser dirigidas desde arriba. Bakunin, del mismo modo, nunca logra despojarse completamente del conspiracionismo “cuarenta y ochesco” de su juventud, e inmediatamente después de haber apostado por el irresistible instinto primario de las masas, vemos que preconiza el “nucleamiento” invisible de las mismas con dirigentes conscientes y organizados en sociedades secretas. De ahí este singular peloteo: los que él acusa, a veces no sin fundamento, de autoritarismo, lo encuentran en flagrante delito de maquiavelismo autoritario.

El anarquismo es inseparable del marxismo. Oponerlos es plantear un falso problema. Su querella es una querella de familia. Veo en ellos a dos hermanos gemelos arrastrados a una disputa aberrante que los ha hecho hermanos enemigos.

Forman dos variantes, estrechamente emparentadas de un solo y mismo socialismo.

Además su origen es común. Los ideólogos que los engendraron hallaron conjuntamente su inspiración primero en la gran Revolución Francesa, y luego, en el esfuerzo emprendido por los trabajadores en el siglo XIX- en Francia a partir de 1840-, con miras a emanciparse de todos los yugos.

La estrategia a largo plazo, el objetivo final, es, en resumidas cuentas, idéntico. Se proponen derribar el capitalismo, abolir el Estado, deshacerse de todo tutor, confiar la riqueza social a los trabajadores mismos.

No están en desacuerdo más que en algunos medios para lograrlo, ni siquiera en todos. Hay zonas de pensamiento libertario en la obra de Marx o en la de Lenin, y Bakunin, traductor al ruso de El capital, le debe mucho a Marx.

Sus desacuerdos de hace un siglo se basaban principalmente en el ritmo de desaparición del Estado tras el estallido de una revolución, el papel de las minorías (¿conscientes o dirigentes?) y, también, el uso de los medios de la democracia burguesa (sufragio universal, etc). A estos se han agregado un cierto número de malentendidos, prejuicios y cuestiones verbales.” (1)

En nuestra opinión con la revolución bolivariana se puede lograr la síntesis de un marxismo libertario. El Bolivarianismo tiene muchos elementos de pensamiento libertario, solo hay que potenciarlos para que éste no degenere en burocratismo ni sea secuestrado por las nuevas elites revolucionarias. Potenciemos este aspecto libertario para que el pueblo se emancipe por si mismo, construyendo el verdadero poder popular. El proceso bolivariano por su parte vence los principales enemigos del anarquismo que son tanto la apatía de las personas, como la inmovilidad doctrinaria. Este proceso con sus logros concretos y con todas las ideas, intuiciones y esperanzas con las que se nutre nos sitúa en un estado de equilibrio que nos permite enrumbarnos a la utopía.

Articulemos entonces los movimientos sociales de forma horizontal y libertaria para que avancemos hacia una nueva sociedad basada en la igualdad y la libertad.



(1) Daniel Guérin. “Por un Marxismo Libertario”

A CONCEPÇÃO NEOLENINISTA DE SOCIALISMO EM ISTVÁN MÉSZÁROS

A CONCEPÇÃO NEOLENINISTA DE SOCIALISMO EM ISTVÁN MÉSZÁROS*

Marcos Lopes

O autor István Mészáros anda na moda junto à esquerda tradicional. Ele escreveu uma grande quantidade de livros, tal como O Poder da ideologia; Marx e a teoria da Alienação e agora seu grande livro Para Além do Capital. Foi representante da "Escola de Budapeste", junto com Agnes Heller, G. Markus e outros discípulos e alunos de Georg Lukács. As suas idéias são baseadas em Marx e Lukács, o velho Lukács stalinista, e por isso fica no âmbito do chamado "marxismo-leninismo", um pseudomarxismo como bem denominaram Karl Korsch e Nildo Viana.
Suas teses são velhas idéias com roupagem nova, e pouco mais que isso. Usa termos luckasianos, do velho Lukács, para reproduzir um neoleninismo que, no fundo, não rompe com a burocracia (que ele evita discutir profundamente) e o Estado, em seu texto sobre o problema da transição na Rússia (em Para Além do Capital), não faz mais que reproduzir um novo discurso leninista para isentar o bolchevismo do processo de burocratização.
É o novo ídolo-fetiche da pseudo-esquerda, o salvador da pátria dos leninistas, e sua nova terminologia de nada acrescenta ao saber humano. O que há de importante nessa terminologia do "metabolismo social do capital"? Absolutamente nada, a não ser um novo fetichismo do capital, que deixou de ser relação social para ser fetiche de intelectual.
O que farei aqui é analisar a concepção de socialismo deste neoleninista e assim mostrar que ele em nada avança teoricamente e, aliás, é uma regressão teórica, que, no entanto, é útil para as burocracias partidárias (inclusive ele apóia Plínio Arruda Sampaio, do PSOL - Partido Socialismo e Liberdade, para candidato à presidência da república no Brasil, tal como se vê na lista de apoiadores no site deste partido). Uma das teses centrais de Mészáros é a necessidade de superação do tripé capital, trabalho e estado. Ele não faz nada disso, como mostrarei a seguir, por mais que seus defensores reafirmem isso.
Marx já colocava a necessidade de superação destes "elementos" e de forma muito mais conseqüente, bem como vários outros o fizeram e sem a ambigüidade de defender o Estado. Assim, Mészáros vem para parecer libertário e de esquerda, mas no fundo, traz apenas confusão e representa o neoleninismo. Assim, o problema é como ele constrói essa suposta superação e avalia a URSS, e sua discussão é leninista. Ele parte de uma distinção ideológica entre capital e capitalismo para fundamentar sua ideologia neoleninista, dizendo que a Rússia não era capitalista, nem capitalista estatal, pois superou o capitalismo (o que basta "tomar o poder" para fazê-lo) e não o capital (...), confundindo capitalista com proprietário individual, numa visão pré-marxista. E ainda pensa, com certa "crítica", em partido, parlamento, transição, ou seja, é um leninista um pouco mais cuidadoso e atualizado e não passa disso. Milhares de outros, sem suas deficiências e ideologias, foram muito mais longe e por isso não se precisa dos ídolos-fetiches da pseudo-esquerda para pensar a luta atual.
A partir destas considerações iniciais é preciso discutir alguns elementos básicos na concepção neoleninista de Mészáros sobre socialismo. Em primeiro lugar, sua discussão sobre transição para o comunismo; em segundo lugar, sua concepção do "sistema soviético", ou seja, o regime instaurado pelo bolchevismo.

Mészáros e a Transição para o Comunismo
A questão principal na análise de Mészáros sobre a transição para o comunismo é a superação do tripé capital, trabalho e estado.
Sobre o Estado, ele parte do suposto fato de que o proletariado ainda estaria, na transição socialista, dividido em interesses derivados da manutenção da divisão social do trabalho. A divisão social do trabalho exigiria aumento e fortalecimento do Estado, ao contrário do que foi proposto por Marx, a abolição do Estado. O Estado iria ser o árbitro da multiplicidade de interesses existentes a partir de tal divisão (Nakamura, 2009).
Mészáros parte de uma incompreensão de Marx sobre o processo de revolução. Ele separa, em Marx, revolução política e revolução social, sendo que a primeira seria a tomada do poder estatal e a segunda a transformação do conjunto das relações de produção e sociais. Isto estaria certo considerando apenas o Manifesto Comunista (Marx e Engels, 2001). Após a Comuna, esta situação mudou, a tese defendida passou a ser a da superação do Estado e a mudança se daria pela ação proletária na esfera do processo de produção.
Esse suposto pensamento de Marx, superado por ele mesmo, superação não "reconhecida" por Mészáros, teria subestimado que a tomada do poder político não seria suficiente para promover a extinção do Estado enquanto que o processo de produção herdado do capitalismo seria fundado na divisão social do trabalho e multiplicidades de interesses que caberia ao próprio poder estatal ordenar.
Ele crítica o "otimismo" de Marx para poder defender o sistema estatal:
A avaliação otimista de Marx sobre a Comuna de Paris, vendo-a como “uma revolução”, não contra esta ou aquela [...] forma de poder de Estado, [mas] uma revolução contra o próprio Estado, estava associada a uma caracterização igualmente otimista do Segundo Império bonapartista como “a última expressão daquele poder de Estado”, a “última forma possível de domínio de classe [burguês]” e o “último triunfo de um Estado separado e independente da sociedade” (Mészáros, 2004: 342).
Mészáros questiona Marx e além de lhe atribuir um "otimismo" e não entender o que disse sobre o bonapartismo, coloca que por base da divisão hierárquica do trabalho não há como abolir o Estado capitalista. Segundo ele, estamos muito longe da última forma do Estado capitalista e seu domínio. Retomando Lukács, Mészáros afirma que o Estado continua existindo e Marx estava equivocado ao evitar a palavra Estado, e ainda diz que tal regime estatal deve ter "um poder executivo forte contra eles [os proletários) próprios". Além disso, ele assume o cume da hierarquia da divisão social do trabalho:
Ao mesmo tempo, para completar o novo círculo vicioso entre a sociedade civil pós-revolucionária e seu Estado, este último não é meramente a manifestação da continuação da divisão social do trabalho, mas também o apogeu hierárquico do seu sistema de tomada de decisões. Por este motivo, tem grande interesse em manter, indefinidamente, o controle mais firme possível sobre todo o processo de transformação em andamento e, portanto, estimulando em vez de destruir a divisão social estabelecida do trabalho, da qual o próprio Estado pós-revolucionário - em virtude de seu papel estratégico - constitui a dimensão mais privilegiada. Aqui, podemos novamente observar que a controvertida questão dos “privilégios burocráticos” não é simplesmente um problema do pessoal envolvido, mas, acima de tudo, da conservação pelo Estado de funções “objetivamente privilegiadas” - isto é, estrategicamente vitais - no metabolismo social geral (Mészáros, 2004: 355).
Ou seja, Mészáros não só defende "mais estado", como ainda justifica e defende a existência de "privilégios", sob o pretexto de que o aparato estatal deve coordenar toda a sociedade, sendo o cume da hierarquia pseudo-socialista. Assim, a suposta divisão do trabalho é a fonte de legitimação do Estado burocrático do pseudo-socialismo de Mészáros.
A superação do tripé, no que se refere ao Estado, desapareceu. Mas como a motivação para a sua manutenção é o trabalho, este também permanece... Resta saber o caso do capital... Este também permanece, pois a tomada do poder político não abole o capital e sim o capitalismo... A superação do tripé é jogado para um futuro tão distante, que nem os mais de 80 anos da União Soviética devem chegar perto... Agora é hora de ver sua análise do "sistema soviético" sem sovietes, que esclarece mais alguns pontos desta análise.

Sobre Mészáros e o "sistema soviético"
O filósofo discute a revolução russa e deve ser bem convincente para outros filósofos. Digo isto porque suas abstrações são tantas e ele dá tanta volta e nunca chega nas relações concretas, a não ser vagas citações de Lênin (que logo passam para Marx e Lukács). Depois de elucubrações como relação indivíduo-classe e muita citação de Marx e Lukács, ele chega ao ponto essencial de sua tese: "Na verdade, o conceito de capital é muito mais fundamental que o de capitalismo. O último está limitado a um período histórico relativamente curto, enquanto o primeiro abarca bastante mais que isto: ocupa-se, além do modo de funcionamento da sociedade capitalista, das condições de origem e desenvolvimento da produção do capital, incluindo as fases em que a produção de mercadorias não é abrangente e dominante como no capitalismo" (Mészáros, 2002: 1029). O capital é mais antigo que o capitalismo, ou seja, são coisas distintas e o primeiro é anterior ao capitalismo.
Ele continua:
O domínio do capital (...) prevalece assim durante uma parte significativa do período de transição, embora deva exibir características de uma tendência decrescente, para que a transição possa ter qualquer êxito (Mészáros, 2002: 1029).
Ele diz que a Rússia leninista-stalinista não é capitalista porque o capital monetário existe, afinal, até no feudalismo ele existiu... O autor não tem nada a ver com a concepção de Marx, pois o capital é categoria aplicável apenas ao capitalismo. Esta separação é sem sentido. De qualquer forma, ele entende capital por capital monetário, pelo menos nesta passagem, e daí diz que nas sociedades de transição, apenas a extração de mais-valia (que é justamente o que define o capitalismo e mostra a exploração capitalista) está presente na Rússia bolchevique, e diz que a produção não é para troca, a força de trabalho não é uma mercadoria, etc., que seriam características do capitalismo.
Sua definição do capitalismo por "características" é não-marxista, tal como as características elencadas e, além disso, não prova nada do que afirma, apenas afirma. Diz, por exemplo, que na Rússia bolchevique a força de trabalho não é mercadoria, é o quê, então, se o trabalhador vende sua força de trabalho em troca de um salário, se os próprios ideólogos destes sistemas dizem isso, etc.? Só porque o filósofo escreveu está escrito e é verdade? É uma "nova" miséria da filosofia!
Além de tudo Mészáros é profeta: "Sociedades pós-revolucionárias são também sociedades pós-capitalistas, no sentido de que suas estruturas objetivas efetivamente impedem a restauração do capitalismo" (Mészáros, 2002: 1030). Portanto, essa defesa da URSS, já que afirma que é pós-capitalista, cai no erro de julgar que o capitalismo não pode retornar, sendo que hoje, sabemos que, usando a terminologia confusa de Mészáros, o capitalismo já retornou... Mészáros justifica a subordinação da sociedade civil ao Estado pós-revolucionário apelando para a existência da divisão social do trabalho e que pode ser agravado pelo atraso asiático e assim coloca, em evidência, de que se não chama a União Soviética de socialista, a chama de sociedade de transição ou pós-revolucionária, moldando assim um processo de justificação do capitalismo estatal.
O fenecimento do Estado só é possível, segundo o nosso filósofo, havendo fenecimento do capital e transcendência do trabalho e isso ocorre com a auto-administração dos produtores associados (isso faria os ingênuos acreditar que ele segue aqui Marx ou os conselhistas...), mas isto só pode ocorrer após um processo longo de transição, no qual o trabalho e o estado pós-capitalista vão realizando as bases para superação do sistema do capital, ou seja, Mészáros legitima, justifica os regimes capitalistas estatais, "pós-revolucionários", e sustenta sua necessidade, ou seja, é preciso uma transição, é preciso um poder estatal, para se chegar ao socialismo. É apenas um leninismo renovado e cuja base não é a análise das relações sociais concretas e sim uma filosofia metafísica marcada por um festival de citação e pseudo-análises de Marx e Lukács, principalmente.
Assim, diferindo formalmente e até criticando os trotskistas em detalhes analíticos sobre a URSS, ele chega a uma conclusão semelhante: a URSS é uma sociedade pós-capitalista (os trotskistas diriam "socialista" com deformações burocráticas ou "Estado operário com deformações burocráticas") e por isso deve evoluir e romper com o sistema do capital, e o caminho bolchevique não era totalmente equivocado, foram as condições que dificultaram o processo e assim é preciso que as sociedades de transição fiquem atentas para a necessidade de superação do sistema do capital, ou seja, a concepção política bolchevique precisa apenas ser reformulada, assim como a URSS.
Essa posição é extremamente conservadora e equivocada, está no campo do bolchevismo, é um neoleninismo e nada mais, mais filosofante, mais abstrato, menos concreto. É mais um pseudomarxismo que deve ser superado.
A distinção entre capital e capitalismo é uma criação esdrúxula e ideológica que na verdade, ao invés de pensar que a superação do capitalismo não fique apenas na superfície, faz é justamente anular a visão de que o capitalismo permaneceu na Rússia e que o capital é uma categoria histórica e não a-histórica como coloca esse filósofo. A recusa do termo capitalismo de estado é uma forma sub-reptícia de defender este regime e confundir capitalismo com economia privada é desconhecer a obra de Marx e seus estudos sobre sociedade por ações, por exemplo. O capital virou um fetiche, algo diferente do capitalismo e assim justifica e legitima o capitalismo de estado e ainda coloca a necessidade de manutenção do Estado, pois este não é problema...
É preciso esclarecer, ao contrário do que alguns mal leitores pregam por aí, que não há nada em comum nas teses de Mészáros com a do conselhismo ou marxismo autogestionário e o problema da obra dele é que, além de equivocado, serve aos interesses da pseudo-esquerda à qual ele é representante. O leninismo envergonhado de hoje tenta disfarçar e é com a obra dele que tenta fazer isso e com os poucos ingênuos que caem nessa ideologia e seus objetivos contra-revolucionários. A proposta de Marx, dos comunistas conselhistas, dos autogestionários é a abolição do Estado, do capital e trabalho assalariado. Aqui vemos a diferença radical entre a proposta de um "capitalismo reformado" ou estatizado e a proposta autêntica de comunismo ou autogestão social (Viana, 2008). Num caso, os elementos básicos do capitalismo permanecem e muda apenas quem está no poder estatal e algumas diferenças superficiais, formais e de rearticulação nas relações sociais e, no outro caso, abolição total do salariato, propriedade privada, capital e Estado (Viana, 2008), tal como se encontra na obra de Marx e foi abandonada explicitamente por Mészáros. O curioso é que Mészáros critica Marx e regride enquanto que todos aqueles que querem a emancipação humana utilizam a experiência da contra-revolução burocrática na Rússia para avançar e buscar mecanismos para evitar esse processo e ele faz justamente o contrário e, ainda, utilizando-se de textos e idéias pretensamente libertárias.
Concluindo, a concepção de socialismo de Mészáros é uma concepção neoleninista que, nos pontos básicos e retirando críticas superficiais, é uma reprodução um pouco reformada da concepção leninista. Com nova linguagem, ele defende a conquista do poder estatal, a manutenção do capital e do trabalho e sua divisão, ou seja, a manutenção do capitalismo sob sua forma estatal. Mészáros é, assim, o novo ideólogo do capitalismo estatal e nada mais do que isso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MÉSZÁROS, István. Revolução social e divisão do trabalho. In: MÉSZÁROS, István. O Poder da Ideologia. São Paulo: Boitempo Editorial. 2004, p. 327-357.

MÉSZÁROS, István. Para Além do Capital. Rio: Boitempo, 2002.

NAKAMURA, E. Z. Contribuição para a crítica da concepção de István Mészáros sobre a “ditadura do proletariado". Disponível em: http://api.ning.com/files/y1AXCmiF9anPHLlw*4BJd3geaavsFK1B2610z*2Z7F0NNiOZgbUXNfajEXijjsANsJG8RyeWhWM6NDv2Vbvqn8sT-dNk3VNU/CrticaaMeszrosSobreaDitaduradoProletariado.pdf Acesso em 09/11/2009.

VIANA, Nildo. Manifesto Autogestionário. Rio de Janeiro: Achiamé, 2008.

*Extraído de Revista Enfrentamento, ano 2, num. 04. Jan./Jun. 2008. Link: Revista Enfrentamento.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Os comunistas conselhistas e o anarquismo: a crítica ao anarco-sindicalismo no contexto da guerra civil espanhola

Os comunistas conselhistas e o anarquismo: a crítica ao anarco-sindicalismo no contexto da guerra civil espanhola

Lucas Maia*

Resumo
Este texto tem como principal objetivo demonstrar como o marxismo,
principalmente os comunistas conselhistas, abordaram historicamente o
anarquismo. O anarquismo é prenhe de várias tendências: anarco-coletivismo,
anarco-individualismo, anarco-mutualismo, anarco-sindicalismo etc. A tendência
que destacaremos neste artigo é o anarco-sindicalismo, visto ter sido esta a que os
comunistas de conselhos mais criticaram. O Comunismo de Conselhos se
desenvolve a partir da segunda metade da década de 1920. Tem em autores como
Helmut Wagner, Anton Pannekoek, Karl Korsch, Herman Gorter, Paul Mattick
etc. seus principais expoentes. Os autores conselhistas aqui analisados são
Wagner e Mattick, pois foram os únicos a polemizarem diretamente com os
anarco-sindicalistas no processo da Guerra Civil Espanhola de 1936 a 1939. Da
crítica destes autores ao anarco-sindicalismo conclui-se: que o anarcosindicalismo
é uma ideologia ligada à burocracia sindical; que representa uma
perspectiva contrária aos trabalhadores; que deve, portanto, ser combatido e não
reforçado.

Palavras-chave: Marxismo; Comunismo de Conselhos; Anarquismo; Burocracia
Sindical.

Abstract

This paper has as main objective to show how Marxism, especially the
Community Council, addressed historically anarchism. Anarchism is full of
several trends: anarcho-collectivism, anarcho-individualism, anarcho-mutualism,
anarcho-syndicalism etc. The trend we outline in this article is anarchosyndicalism,
since it was this that the Council Communists criticized.
Communism Concils develops from the second half of the 1920s. Has writers
such as Helmut Wagner, Anton Pannekoek, Karl Korsch, Herman Gorter, Paul
Mattick etc. its main exponents. The authors reviewed here are councilists
Wagner and Mattick, because they were the only ones arguing directly with the
anarcho-syndicalists in the Spanish Civil War from 1936 to 1939. Criticism of
these authors to anarcho-syndicalism is concluded: that the anarcho-syndicalist
and bureaucratic, that represents a view contrary to the workers and it should
therefore be fought and not enforced.
Key-words: Marxism; Communism Councils; Anarchism; Bureaucracy Union.

Este texto objetiva discutir a maneira segundo a qual os comunistas conselhistas consideraram o anarcosindicalismo. Os autores conselhistas que debateram mais diretamente esta questão foram Helmut Wagner e Paul Mattick. Concentraremos nossas
análises nas contribuições destes autores. Faremos primeiramente uma síntese histórica da origem do anarquismo, destacando suas tendências. Em seguida, analisaremos o processo de consolidação da perspectiva anarcosindicalista e por último, abordaremos a maneira segundo a qual os conselhistas analisaram a perspectiva anarcosindicalista no contexto da Guerra Civil Espanhola.

Origem e tendências do anarquismo

Do ponto de vista do relacionamento entre os comunistas conselhistas e anarquistas não há muito o que dizer visto que o embate entre ambas as tendências não se deu de maneira tão intensa e direta como com o bolchevismo. A influência dos anarquistas na Europa Ocidental era bastante diminuta, exceto na Espanha, quando da emergência do comunismo de conselhos, que se deu em meados da década de 1920, ficando a polêmica
entre eles, por isto, bastante restrita. É um certo consenso entre os historiadores do anarquismo, dentre eles Rodrigues (1988), Woodcock (1981), Costa (1982) etc., que suas idéias força remontem a tempos imemoriais, desde a sociedade escravista antiga, na crise do feudalismo, durante as revoluções liberais dos séculos 17 e 18. Esta tese é problemática, pois o anarquismo é um todo que surge num determinado momento histórico, com determinadas características e base social que não se encontram no pré-capitalismo. O que se tem, verdadeiramente, são idéias isoladas, que são descontextualizadas e destacadas pelos historiadores do anarquismo. Deste modo, a idéia segundo a qual as idéias anarquistas são pré-capitalistas, ao passo que “como
método ativista, buscando mudar a sociedade por métodos coletivos, o anarquismo pertence unicamente aos séculos 19 e 20 (Woodcock, 1981, p. 14)” é bastante falha, visto que não compreende a historicidade do desenvolvimento próprio do anarquismo.
O primeiro a utilizar a expressão anarquia numa perspectiva positiva foi Pierre-Joseph Proudhon. Até o século 19, o termo anarquia era utilizado pejorativamente para designar caos, desordem ou para agredir a oposição; “os franceses tiveram a honra de usar a palavra pejorativamente pela primeira vez. Durante a revolução francesa, os
girondinos usaram-na para injuriar os adversários de esquerda” (Costa, 1982, p. 12). A partir de Proudhon, o termo adquire outro significado, passando a significar aquele que combate ou nega a autoridade, os governos, o estado e portanto defende a liberdade do indivíduo e da sociedade.

Durante o processo de afirmação do anarquismo como um movimento social, o aparecimento e influência do russo Mickhail Bakunin é de fundamental importância. Bastante influenciado pelas idéias de Proudhon, Bakunin vai levar às últimas conseqüências as idéias de anarquia como negação da autoridade e do estado. Exerceu certa influência no seio da Associação Internacional dos Trabalhadores (ou 1º Internacional, como ficou conhecida), fundada em 1864. Dentro desta organização, travouse um debate que se presta a inúmeras confusões dentro do debate e história do
movimento operário internacional; tratase da polêmica entre Marx e Bakunin ou
como entrou para os anais da história do movimento comunista: os socialistas autoritários, discípulos de Marx e os socialistas libertários, discípulos de
Bakunin. Os primeiros, amantes da autoridade e do estado, os segundos, a negação racional e direta da autoridade, do estado e dos governos.

Não vou me estender nesta querela, que em nada explica o desenvolvimento subseqüente do movimento comunista internacional. Pois os anarquistas que criticam os marxistas, na verdade têm em mente os bolcheviques, e os “marxistas” que criticam os anarquistas
são na realidade bolcheviques, portanto, não são marxistas. Deste modo, permanecer nesta velha disputa é não avançarmos no sentido de explicar os prosseguimentos do marxismo autêntico e do anarquismo. Em todo caso, grande parte das críticas que Bakunin dirige a Marx servem mais aos “marxistas” do que propriamente a Marx. Se Bakunin estava equivocado a atribuir a Marx um conjunto de idéias que este jamais teve, estava plenamente e até mesmo profeticamente (pois antecipou vários fatos) correto, na medida em que suas análises explicam e criticam a social democracia e o
leninismo. Se há discordâncias entre Marx e Bakunin, também há várias semelhanças entre as duas maneiras de pensar. Isto pode ser evidenciado no desenvolvimento da concepção de estado que ambos possuem. Se Marx defende a idéia que no primeiro estágio da revolução proletária, o estado deveria centralizar boa parte das questões no que se refere à circulação e distribuição, como de algumas coisas públicas, educação por exemplo; após a Comuna de Paris, defende a imediata supressão
do estado durante o processo revolucionário. Bakunin defendia isto desde o início de sua prática política1.[1 Para uma leitura mais aprofundada sobre este
aspecto Cf. (Guillerm & Bourdet, 1976).]

Devemos, portanto, superar os dogmatismos que norteiam as leituras sobre esta questão. O anarquismo em seu prosseguimento adquire várias formas, umas mais radicais, outras menos. As idéias de Proudhon, mas principalmente seu aprofundamento por Bakunin, vão produzir uma das tendências mais conseqüentes do ponto de vista
revolucionário do anarquismo, o anacocoletivismo. Também Tolstoi produzirá uma obra que será identificada como anarquismo cristão; Kropotkin, o anarquismo mutualista; no final do século 19, há o surgimento do anarcosindicalismo e este exercerá grande
influência na revolução espanhola2.É justamente com esta tendência anarcosindicalista
que os comunistas conselhistas vão polemizar. Durante o processo da guerra civil espanhola (1936 – 1939), a perspectiva conselhista já estava plenamente estabelecida. Seus fundamentos já estavam bem delineados. Já havia toda uma experiência histórica de prática revolucionária do proletariado que permitiu aos conselhistas estabelecerem
de maneira clara quais eram os novos rumos e as novas formas que o movimento operário havia criado e trilhado. Deste modo, sua observação do processo revolucionário em curso na Espanha causaram-lhes certas preocupações e estas foram manifestas em alguns artigos publicados por Helmut Wagner e Paul Mattick. São artigos publicados em 1936 e 1937, ou seja, durante o desenrolar da revolução na Espanha. Antes, vejamos o
desenvolvimento do anarcosindicalismo.[2 Não é nosso intuito apresentar uma leitura
histórica aprofundada do anarquismo e de suas tendências. Para tanto, Cf. (Walter, s/d), (Costa, 1982), (Woodcock, 1981) etc.]
Burocracia sindical e anarcosindicalismo Antes de mais nada, vale esclarecer que
o anarco-sindicalismo surge e se desenvolve a partir da ação de um conjunto de anarquistas dentro das organizações sindicais. Os sindicatos já eram organizações voltadas à gestão capitalista do movimento operário, ou seja, tinham a função de negociação do valor da força de trabalho e das condições de trabalho dos trabalhadores. A perspectiva anarquista ao confrontarse com as organizações sindicais irá buscar imprimir novas formas e práticas a estas organizações. Não está em
discussão a honestidade ou convicção revolucionária destes anarquistas, mas sim a natureza da organização sindical, que é essencialmente burocrática, seja uma burocracia anarquista, social democrata ou bolchevique. Deste modo a afirmação segundo a qual “este tipo de sindicalismo não tem grande coisa em comum com os sindicatos tradicionais existentes” (Berthier, 2002, p. 67) é desprovida de sentido na medida em que a prática sindical é burocrática. Com relação ao caráter burocrático e corrupto dos sindicatos existentes na sociedade capitalista, um ideólogo do
anarco-sindicalismo assim se expressa:É certo que aos olhos dos revolucionários os sindicatos estão desacreditados. Os sindicatos, ou melhor, o pessoal sindical reflecte a apatia das massas, essas famosas massas que os marxistas, por necessidade de causa, ornamentam com todas as virtudes! Mas todos sabem que um movimento revolucionário resultará numa mudança do pessoal sindical, ou pelo menos das suas perspectivas” (Joyeux, 1975, p. 27). Joyeux faz uma bela distinção entre os indivíduos (o pessoal sindical) que estão dentro de uma dada organização (o
sindicato) que funciona sob determinada circunstâncias (a sociedade capitalista)
com a própria organização. Como imaginar uma organização sindical que não queira agir como sindicato? É simples, muda-se a direção do sindicato por uma direção mais revolucionária afirma Joyeux. Em todo caso, se não se mudar a direção, deve-se ao menos mudar a perspectiva desta direção. Não terá o sindicalista a função de dirigir,
mesmo que seja de uma forma “libertária”, os operários? Com relação ao conselhos operários, Joyeux para defender sua ideologia sindical afirma peremptoriamente:
Deve evitar-se dar a qualquer forma de organização duma empresa, directamente gerida pelo seu pessoal, uma forma definitiva. É preciso abandonar a idéia de que num ímpeto soberbo todos os homens se lançarão na organização da sua empresa. Os conselhos manterão um instante o clima febril mas será o realismo organizativo e prático dos sindicatos que impedirá a revolução socialista de se afogar num aparelho estatal (Joyeux, 1975, p. 30).

Não faz aqui o nobre sindicalista uma séria oposição entre conselho e sindicato? Os conselhos são a “alegria”, o espírito voluntarista e instintivo da classe operária. Os sindicatos são o realismo da gestão. Os conselhos são o período febril da revolução, os sindicatos são o prosseguimento do processo revolucionário e os órgãos de gestão da futura sociedade. Mas é reveladora a afirmação segundo a qual se deve evitar dar a “qualquer forma de organização duma empresa, directamente gerida pelo seu pessoal, uma forma definitiva”, pois é ilusório acreditar que o conjunto daquela
unidade de produção vai abraçar a direção e gestão da empresa. Ou seja, no final das contas, o que ele quer dizer é que se os operários não conseguem se auto-organizar para gerir seu local de trabalho em seus conselhos e diante desta fragilidade “natural” dos operários, os sindicatos são os organismos que farão tal organização e
gestão. E não adianta dizer que são sindicatos revolucionários ou anarquistas. Qualquer semelhança com a idéia bolchevique de vanguarda não é mera coincidência.
Entretanto, Berthier (2002) é mais cauteloso e conseqüente que Joyeux, embora ainda impregnado pela ideologia anarco-sindicalista. Não vê oposição a priori entre os sindicatos e os conselhos, mas baseado na experiência anarcosindicalista desenvolvida na Espanha só consegue chegar a conclusões anarcosindicalistas da revolução e gestão
futura da sociedade. Em síntese, o anarquismo ao colar-se à organização sindical, dá origem ao anarco-sindicalismo. Esta tendência teve grande influência nos acontecimentos da Guerra Civil Espanhola de 1936 a 1939. é sobre esta questão que nos
dedicaremos agora. A crítica conselhista ao anarcosindicalismo no contexto da Guerra
Civil Espanhola Vejamos como os conselhistas analisaram a tendência anarcosindicalista. Esta perspectiva é duramente criticada por Helmut Wagner em artigo escrito em julho de 1937 intitulado “O Anarquismo e a Revolução Espanhola”3. O intuito do texto é analisar as práticas que os anarquistas da [3 WAGNER, Helmut. O anarquismo e a revolução espanhola. Disponível em: http://www.geocities.com/jneves_2000/anarq_rev_espanhola.htm, acesso em 13/11/2007].
FAI (Federação Anarquista Ibérica) e da CNT (Confederação Nacional do Trabalho) desenvolveram e como a prática anarco-sindicalista é nefasta ao movimento operário. Após citar alguns trechos de uma brochura publicada pela CNT-FAI sobre as formas organizativas que a Espanha estava implantando em seu processo revolucionário, diz:
Não é necessário estourar a cabeça para se dar conta que essas proposições colocam todas as funções econômicas nas mãos do Conselho Econômico Geral. Como vimos, o Conselho Econômico Geral Antifascista é constituído por oito representantes dos sindicatos, quatro técnicos nomeados pelo Conselho Econômico Geral e quatro
representantes dos Conselhos de Fábrica. O Conselho Econômico Geral Antifascista foi constituído no principio da revolução, e compõe-se de representantes dos sindicatos e
da pequena burguesia (...). Apenas os quatro delegados do Conselho de Fábrica poderiam ser considerados como representantes diretos dos operários.4
Além deste aspecto, Wagner demonstra como na revolução espanhola não se conseguiu nem se apontavam caminhos para superar elementos centrais que estruturam a sociedade capitalista: o dinheiro e o mercado. Ou seja, os organismos econômicos que foram
sendo produzidos durante o processo tendiam a reproduzir relações características do capitalismo de estado já em pleno funcionamento na União Soviética. O que Wagner demonstra é que o mecanismo de produção e reprodução material da vida deve ser
radicalmente alterado durante e depois do processo revolucionário. A permanência do dinheiro, do assalariamento, do mercado coroados 4 idem. com uma organização burocrática ao nível global da produção, tendia a reproduzir o capitalismo.

Se o mercado é o método adequado ao capitalismo para circular os produtos, o método comunista ou autogestionário deve ser outro, o dinheiro não pode ser o equivalente geral, que permita a circulação, mas sim as necessidades reais da população como um todo. Wagner propõe então que seriam os conselhos de produtores que garantiriam
a produção necessária para as satisfações das necessidades reais da sociedade. Deste modo, era necessário articular os conselhos de consumidores, aos conselhos de produtores para se abolir o dinheiro, o mercado e o estado. Conclui assim este raciocínio: “Apenas a organização da produção e da distribuição pelos conselhos de
produtores e consumidores, e o estabelecimento de uma contabilidade centralizada permitirão abolir o mercado livre”5.A grande tese que busca defender é que
a prática anarco-sindicalista conduz à apropriação pelos sindicatos da organização e gestão da produção ao nível global e tal prática foi não só defendida, mas também incentivada pela CNT. Afirma: “Todo o entusiasmo manifestado pela CNT a favor do direito da autogestão nas fábricas, não impede que sejam de fato os comitês sindicais
que assumem a função do patronato e quem, por conseqüência, deve assumir a função de exploradores do trabalho”6. Também Paul Mattick conflui nas mesmas críticas ao anarco-sindicalismo que se produziu na Espanha durante os anos da guerra civil, em artigo intitulado “As Barricadas Devem ser Removidas”:5 Idem. 6 Idem.
Fascismo Stalinista na Espanha7. Em primeiro lugar, coloca a FAI-CNT no campo das burocracias dirigentes. Afirma: Uma frente única com socialistas e com "comunistas" de partido é uma frente única com o capitalismo. É inútil denunciar Moscou e também
não faz sentido criticar os socialistas: ambos têm que ser enfrentados até o fim. Mas, agora, os trabalhadores revolucionários têm de reconhecer que as lideranças anarquistas, que os burocratas da CNT e da FAI também estão no campo inimigo8.
(grifos nossos) Dada a característica essencialmente burocrática destas organizações, cuja correia de transmissão é o sindicato e pelas características já apontadas por
Wagner com relação à questão do mercado, dinheiro e organização burocrática ao nível global da produção e circulação, também Mattick destaca que o caminho que a Espanha está trilhando em seu processo revolucionário a está conduzindo a um capitalismo de estado.

E conclui assim sua análise:

A CNT nunca pôs a questão da revolução do ponto de vista dos operários, preocupava-se apenas com a organização. Agia em nome e com o apoio dos operários, mas nunca se interessou pela iniciativa autônoma e a ação direta destes, fora do controle da organização. O importante não era a revolução, mas a CNT9.[7 MATTICK, Paul. “As barricadas devem ser removidas”: fascismo stalinista na Espanha. Disponível em:
http://www.geocities.com/autonomiabvr/, acesso em 25/11/2007[.8 idem.9 idem.]
Ou seja, tal como os bolcheviques, a CNT identificou os interesses dos
operários com os da organização. Não é curioso que uma tal idéia também esteja
presente na ideologia anarco-sindicalista tal como a exposta por (Joyeux, 1975).
Deste modo, o que vemos na relação entre a perspectiva conselhista e a anarco-sindicalista é que uma aponta para a transformação autogestionária da sociedade, à medida que aponta para a generalização dos conselhos operários; a outra aponta para o estabelecimento de um capitalismo de estado, pois reproduz a relação burocrática inerente ao sindicalismo.

Deste modo, a relação conselhismo e anarco-sindicalismo é bem definida, ou seja, o anarco-sindicalismo é uma ideologia ligada aos sindicatos. Com o desenvolvimento e integração destes à sociedade capitalista, a defesa dos sindicatos torna-se bastante
problemática, mesmo sendo este sindicato um sindicato anarquista. O conselhismo é ligado aos conselhos operários, portanto, opõem-se aos sindicatos. Assim, conselhismo e anarco-sindicalismo são antagônicos, tal como conselhismo e bolchevismo.

Entretanto, existem outras tendências anarquistas que apontam para questões muito semelhantes à perspectiva conselhista, tal como o anarcocoletivismo,e tendo a consciência destas questões, é necessário purgar os dogmatismos e buscar contribuir de maneira articulada para ascensão da classe trabalhadora e também a crítica
de toda e qualquer forma de burocracia e sistema opressivo.

Referências
BERTHIER, René. Concepção anarcosindicalista da autogestão. In: LEVAL, Gaston; BERTHIRE, René; MINTZ, Frank. Autogestão e anarquismo. Editora Imaginário, 2002.

COSTA, Caio Túlio. O que é anarquismo. São Paulo: Brasiliense, 1982.

GUILERM, Alain & BOURDET, Yvon. Autogestão: uma mudança radical. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.

JOYEUX, Maurice. Autogestão, gestão operária, gestão direta. Lisboa: A batalha,
1975.

MATTICK, Paul. As barricadas devem ser removidas: fascismo stalinista na Espanha.
Disponível em: http://www.geocities.com/autonomiabvr/, acesso em 25/11/2007.

RODRIGUES, Edgar. Os libertários: idéias e experiências anárquicas. Petrópolis: Vozes,
1987.

WAGNER, Helmut. O anarquismo e a revolução espanhola. Disponível em:http://www.geocities.com/jneves_2000/anarq_rev_espanhola.htm, acesso em 13/11/2007.

WALTER, Nicolas. Sobre o anarquismo. Rio de Janeiro: Achiamé, s/d.

WOODCOCK, George. Anarquismo: introdução histórica. In: ______ (org.). Os grandes escritos anarquistas. Porto Alegre: L&PM, 1981. p. 13-52.

* LUCAS MAIA é Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Goiás. É doutorando pelo programa de Pesquisa e Pós-graduação em Geografia pela Universidade Federal de Goiás. Atualmente é professor da Universidade Estadual de Goiás. É membro da diretoria executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Goiânia.